Quero apenas escrever...




...Quero apenas escrever, quero apenas contar, quero apenas falar. Mas, não tem ninguém pra ouvir, ninguém que apenas ouça, ninguém que apenas sirva de espelho, ouvindo e me ajudando a organizar o pensamento.

...Quero apenas escrever, porque não posso falar. Sinto de quem me ajudava a organizar o pensamento, mesmo que não entendesse, mas ouvia, silenciosamente ouvia, me deixando bem a vontade pra falar de todas as coisas que apertavam meu coração e travavam minha garganta.

...Quero apenas escrever, porque sinto necessidade de falar. Penso muito, observo muito, acompanho muito, mas não posso falar. Não tem quem ouça e me ajude a pensar, não tem uma pessoa se quer capaz apenas de observar sem emitir opinião.

...Quero apenas escrever, talvez por horas a fio sem se preocupar com o tempo, porque ele se esvai. Um dia finda, outro começa, mas a ausência de quem ouça, simplesmente por ouvir, não há. Alguém capaz de também se exercitar falando pra eu apenas ouvir, também não há.

...Quero apenas escrever, porque com tanta gente em volta não dá nem pra falar. Ouço os barulhos a volta, como um ciclone com eixo na largura dos braços, mas sinto o silêncio nos abraços da cama sob o cobertor.

...Quero apenas escrever, porque falar não dá e ouvir muito menos. Tanta coisa importante pra comentar, pra dividir, pra falar, mas se não há quem ouça, pra quê falar? É melhor o silêncio da sala escura do que o barulho dos palcos.

...Quero apenas escrever, somente isso. Sem pretensões, sem aspirações, sem interesses ou duplos sentidos. Quero apenas escrever sem me preocupar com o julgamento do "será que". Escrever sem o pudor das críticas e sem a interferência do viés do preconceito.

...Quero apenas escrever, porque quero ser eu novamente. Retomar minha identidade, buscar meu caminho de volta, que hoje é sem volta. Mergulhar novamente no rio porque a água já é outra. Sinto falta do rio e dos mergulhos prazerosos.

...Quero apenas escrever as coisas que me entristecem. Tenho o direito de ser triste da mesmo forma que tenho o direito de ser feliz, mas não tenho direito de ter direito. Tudo acabou com o abajour que se quebrou.

...Quero apenas escrever que vão os anéis, mas ficam os dedos. Cada anel que se vai é um mérito alcançado e perdido, mas a alma, mesmo ferida, continua viva. Sofrendo ou não, agonizando ou não, a alma ainda vive.

...Quero apenas escrever até a morte chegar e não mais poder escrever.

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