Curtindo minha fossa
Quero voltar a escrever como escrevi um dia,
Disposto a abrir mão do tempo útil
Para que o inútil tome forma em escrita.
Quero voltar a escrever como um dia escrevi,
Ler minha dor e perceber minhas frustrações,
Quero deixar o tempo passar e não mais voltar atrás
Quero aprender a andar pra frente e deixando
As coisas que para trás ficam, de fato e de direito.
Quero um dia chegar a velhice
E ainda me alegrar com a vida que tive
Mesmo que construída sobre as pedras da tristeza
Mas em terras de alegria e força
Não quero perder o brilho dos meus olhos
Mesmo que a menina dos olhos tenha sido arrancada
Mas, mesmo cego em amor, quero olhar para frente
Sem ver e sem saber o que virá
Quero aproveitar a surpresa da descoberta
Quero novamente me surpreender com a vida
Mesmo que com lágrimas, mesmo que ferido.
Um dia, relerei este texto e perceberei que aos 29 anos
Não vivi toda a dor que superei quando cheguei aos 50
Mas, perceberei que mesmo aos 29 anos
Escrevo sobre a minha dor
Mesmo chorando, mas sem perceber
Que no fundo da alma
A certeza de que dias melhores virão.
Comentários
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Boa caminhada, nem para trás, nem para os lados, adiante! Um abraço.